sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Um conto antigo

Na falta de tempo que me acomete, achei um conto antiiiiigo, e resolvi compartilhá-lo por aqui! Espero que gostem, caros (e raros) leitores!




Um dia a gente inda pega essa danada, inda sai a passear com ela por aí. Um dia, de tanto fuçar aqui e lá, a gente acha. A gente ainda descobre onde é que se esconde essa danada dessa menina, que chamam de felicidade.
Lá de longe, na janela da casinha de barro, a menina das trancinhas, coloca as mãos no queixo, e fita o horizonte. Parece esperar por algo que não chega. Com o queixo apoiado, suspira longamente. Deseja em silêncio, e busca com um olhar perdido, pela danada. Pela danada que as gentes todas, por aí a fora, buscam também.
De vez em quando, as tranças saem da janela, e com o vestido de mangas, sentam-se à beira da porta. Olha ainda, com a mesma complacência, o horizonte, e por dentro busca infinitamente ser feliz. O queixo se apóia agora, nos joelhos magrelos da menina.
Lá dentro, a mãe a mexer a polenta no fogo, olha pra menina e em silêncio deseja descobrir o que tanto olha, tanto procura e espera. Depois, olha pra polenta que borbulha e lhe salpica a pele, e pensa em Deus, e na clemência e na abonança. Deseja em seu íntimo ser feliz, mas de certo que nem conhece a palavra. Conhece a sensação. Na verdade imagina como é. Nunca o foi antes. Não pode desejar ser o que nunca provou. Deseja apenas que o sustento se mantenha, que as chuvas venham e que Deus os olhe sempre. Ser feliz, pra ela, é isso. Ela não sabe que sabe o que é felicidade. Essa danada.
O pai, de tardinha, chega da roça. Mãos pretas. Encarvoadas. O chapéu de palha cansado do sol repousa sobre a cadeira. A testa da menina é beijada. A mulher recebe o marido. Sorriso. Satisfação. E aquela sensação desconhecida lhe percorre o corpo. O pai olha o fogão, fumegante. Olha as tranças sentadas na porta, olha a mulher. Rosto cansado, pela dourada do sol. E uma sensação de gratidão lhe corre a alma. Olha pra cima, e em silêncio, agradece a Deus. Mais um dia. Ele não sabe que sabe o que é felicidade.
A mãe chama. Polenta na mesa. O pai. A mãe. A menina. O silêncio. Cabeças baixas. Ouvem-se sussurros na sala. As cabeças levantam. As mãos vão à cumbuca. Pratos são servidos. E a benção do alimento, lhes percorre os corpos. Nesse momento, aquela estranha sensação, lhes percorre de novo. E não sabem que sabem, nem que sentem. Mas a danada está ali.
Um dia a gente inda gruda na barra da saia dessa menina danada. A gente inda anda com ela por aí. A gente inda que encontra a danada. E guarda. Guardadinho.